quinta-feira, 19 de agosto de 2010

A Outridade

Ao procurar por mim mesmo,
vou vasculhar todas as referências de minha identidade,
fuçar os vestígios de minha existência
e percorrer a estrutura da construção do que sou
– ou ainda do que penso ser –
Eu sou, em grande parte, o maior objeto de minha curiosidade,
porque não sou um tipo, sou muitos, e ser muitos, confunde-me,
quando percebo que imaginava ser um, e não muitos
Como toda alma do homem, a minha também, as vezes,
demonstra-se uma mata, densa, espinhenta e escura,
que dificulta o acesso, a busca, o reconhecimento,
a cartografia de uma ilha avistada do alto, sem acesso de fato,
pois as pegadas em mim, se apagam a cada noite,
e não me acho, se me procuro em mim mesmo,
não é porque sou infinito, é porque sou labirinto, e me perco,
cada vez que, em mim, percorro caminhos
que não me levam a mim mesmo,
e não é que eu seja um deserto inabitado,
é que sou cidade super povoada, habitada por uma multidão,
que sou eu mesmo,
mas não sou, se apenas em mim sou,
No outro eu me encontro,
no outro está o que sou, no outro o meu reflexo,
o mais doloroso e desafiador – aquele que reage,
que me obriga não apenas ver como estou, mas também o que faço,
não apenas o que sou, mas também de que maneira consigo ser –
no outro, o eco, a reverberação, a força semântica da minha fala,
a flexão medida e desmedida, das palavras que emito... ou evito –
do outro volta a minha pergunta, em forma de resposta dada,
ou recusada, em silêncio frio,
como neve, que também serve, para me confrontar
A estrada que se traça no outro,
é caminho que leva ao meu encontro,
o que sou, sou, enquanto sou, na perspectiva do outro;
no outro, sou rio e terra, ilha e sombra, abrigo e trilha,
fora do outro estou ausente,
e essa outridade parece ser destino,
a queda encastelada da fortaleza de si mesmo,
parece revelar, enfim, o vasto campo da liberdade,
deste terreno que é outro, onde me encontro
No outro, minha esperança, em ebulição, sofre a emulação
que a mantém eterna, a cada dia;
minha existência se esclarece, minha devoção se justifica,
múltiplos caminhos se convergem, e seguem,
na invenção de tantos outros, que é outro;
o outro sou eu vendo a mim mesmo,
agindo sobre mim mesmo,
discernindo em mim mesmo a construção da estrutura
que é gramática em mim, escrita, para a interpretação restrita,
de quem de fato eu sou.

1 comentários:

Fábio disse...

Texto muito interessante, que nos leva a refletir sobre quem de fato somos.