terça-feira, 26 de outubro de 2010

Participando do mundo de Deus por meio da oração

A oração é o retrato da alma. É nossa identidade espiritual, a impressão digital do cristão. A maneira como oramos e o conteúdo de nossas orações revelam o que pensamos sobre Deus e o que pensamos sobre nós. A melhor forma de conhecer a teologia e o caráter de uma pessoa ou de uma igreja é observar sua oração.
É por isso que gosto de meditar nas orações na Bíblia. Gosto também de observar a forma como oramos. As orações do apóstolo Paulo em sua Carta aos Efésios nos ajudam a perceber sua teologia e seu caráter. Meditando nelas, percebemos que existem duas formas de orar: a primeira é quando apresentamos nosso mundo a Deus. A segunda é quando participamos do mundo dele.
Na primeira forma de oração, que é mais comum entre nós, oramos por nossa família, trabalho, saúde, projetos e outras necessidades pessoais. Deus quase sempre é invocado para atender a essas necessidades e emergências. Elas constituem o centro das orações. São orações que dizem respeito mais a nós do que a Deus.
Outra forma de orar é quando participamos do mundo de Deus. Oramos a partir daquilo que ele tem feito, das grandes realizações de sua graça em nosso favor. É o mundo de Deus, não o meu, que constitui o centro da oração.
É assim que Paulo ora. Ele começa agradecendo as bênçãos com que Deus nos tem abençoado nas regiões celestiais em Cristo. Ele é grato pelo fato de que Deus nos escolheu em Cristo, antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis. Louva a Deus por nos ter adotado como filhos e filhas, por sua eterna bondade. Agradece pela redenção e libertação do pecado e reconhece a riqueza da graça de Jesus Cristo. É grato a Deus pela revelação de sua vontade e pela dádiva do seu Espírito, que sustenta nossa salvação.
Ele segue orando e suplicando para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo conceda à igreja espírito de sabedoria e revelação para o pleno conhecimento de Jesus Cristo. Para que Deus abra os olhos do seu povo para que compreendam a esperança da vida em Cristo, o poder da ressurreição pelo qual agora vivemos e a exaltação e glória de Cristo. Mais do que ser liberto da prisão, seu grande desejo é ver seus irmãos e irmãs tendo um conhecimento verdadeiro de Cristo e crescer em direção à sua real humanidade.
Ele coloca-se de joelhos diante do Pai e suplica para que Cristo habite nos corações do povo de Deus, transformando seu interior, para que possam, juntos, compreender a riqueza do amor de Cristo que transcende toda a compreensão humana e ser tomados de toda a plenitude de Deus. São esses os motivos de gratidão e as súplicas de Paulo.
É uma oração na qual podemos perceber a teologia e também o caráter do apóstolo. Antes de apresentar seu mundo a Deus, ele busca participar do mundo de Deus. Sua preocupação não se limita às necessidades pessoais. Não são suas prisões ou reputação que têm prioridade em suas súplicas. Sua atenção não está em sua saúde ou bem-estar. O que ele revela em sua oração é a paixão pela obra de Cristo, o desejo de ver o povo de Deus crescendo em direção a Cristo.
Podemos e devemos apresentar nosso mundo a Deus por meio da oração. Interceder pela família, trabalho, saúde e outras necessidades pessoais e comunitárias é parte de nossa resposta ao chamado de Cristo. No entanto, se permanecemos apenas conosco, atrofiamos a alma. Concebemos a oração a partir do nosso mundo e não do mundo de Deus. Das nossas necessidades e não das gloriosas riquezas de Cristo. Nossa compreensão de Deus torna-se confusa e a experiência de oração, frustrante.
A oração sempre começa com Deus e não conosco. O que Deus fez por nós em Cristo precede o que ele faz por nós em nossas necessidades diárias. Participar do mundo de Deus nos ajuda a entender a forma como Deus participa do nosso mundo. Se permanecemos com aquilo que Deus fez e segue fazendo em Cristo, crescemos na medida da estatura de Cristo.

Ricardo Barbosa

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

O resultado final

O resultado parcial de alguma doença não é a última palavra. Muitas coisas podem ainda acontecer, para aliviar ou agravar o problema. Coisas previsíveis ou não. Nem sempre é fácil esperar o resultado final de uma situação difícil. Não adianta esperar o melhor ou o pior. Sempre há surpresas a caminho, boas ou más.
Ao receber o recado de Maria e Marta de que seu amigo Lázaro estava doente, Jesus simplesmente disse: “O ‘resultado final’ dessa doença não será a morte de Lázaro. Isso está acontecendo para que Deus revele o seu poder glorioso; e assim, por causa dessa doença, a natureza divina do Filho de Deus será revelada” (Jo 11.4, NTLH).
Jesus estava muito longe de Betânia, onde Lázaro ficava cada vez pior. Porém, ele não teve pressa. Ao chegar à pequena vila três quilômetros apenas a de Jerusalém, o amigo já havia morrido e sido sepultado e já cheirava mal. De acordo com o pronunciamento de Jesus, o resultado final da doença de Lázaro não poderia ser o túmulo nem a decomposição do corpo. Qual seria? Valeria a pena esperar mais um pouco?
O resultado final não era aquela tragédia. O fôlego de vida voltaria ao defunto e a decomposição do corpo seria revertida. No entanto, isso não era tudo nem o principal. Jesus havia deixado claro que aquele processo de doença e morte desembocaria na glória de Deus e também na revelação inequívoca da natureza divina dele mesmo.
A história da formidável ressurreição de Lázaro precisa ser lida dentro do contexto. No capítulo anterior, os opositores de Jesus tiveram o atrevimento de lhe dizer: “Você, que é apenas “um ser humano”, está se fazendo de Deus (Jo 10.33, NTLH). Eles ainda não acreditavam nas duas naturezas de Cristo -- a humana e a divina. Jesus se proclamava tanto Filho do Homem como Filho de Deus. Ele era e é completamente homem e completamente Deus. Ser cristão é abraçar ambas as verdades -- a divindade e a humanidade de Jesus. Ao chorar com Maria e Marta, o Senhor mostrou que o Verbo tinha se feito carne. Ao parar diante do túmulo de seu amigo e ao gritar para o morto: “Lázaro, venha para fora!”, o Senhor mostrou que ele e o Pai são uma só pessoa (Jo 14.9). O que aconteceu em Betânia foi uma impossível marcha à ré: a morte somatopsíquica, o sepultamento e o processo da decomposição voltaram atrás. E a natureza divina de Jesus veio à tona com tanta força que os opositores de sempre tomaram a decisão de acabar com a vida de Jesus e também com a de Lázaro, testemunha viva do poder de Deus e da divindade de Jesus (Jo 11.53; 12.10).
Em caso de doença e em qualquer outro quadro de confusão, provação, tentação e medo, devemos aguardar não o resultado em processo, mas o “resultado final”. Nesta vida ou na vida futura, lembrando sempre que “tudo concorre para o bem dos que amam a Deus” (Rm 8.28)!

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

3° Congresso Lausanne de Evangelização Mundial

O maior congresso evangélico sobre missões, com 4.200 pessoas presentes e mais de 100 mil acompanhando pela internet, começou na tarde deste domingo, 17 de outubro, na Cidade do Cabo (África do Sul), com a palavra introdutória do presidente do Movimento Lausanne, Doug Birdsall. À noite, aconteceu a abertura oficial, com apresentações de dança, teatro e música dirigidas por artistas africanos. Os hinos entoados enfatizaram o senhorio de Cristo, o teatro mostrou situações de dificuldades na evangelização em cada continente e um documentário em vídeo contou a história resumida do cristianismo, do Pentecostes ao Congresso de Edimburgo em 1910.

Congresso mais pessoal
A grande novidade deste congresso está na platéia. Organizados em 650 grupos de 6 pessoas cada, os milhares de presentes puderam reunir-se, de forma mais pessoal, por quase 2 horas. Compartilharam suas histórias e expectativas. Segundo os organizadores, esta será a tônica metodológica do evento: não um grupo seleto de preletores, mas centenas de diálogos intencionais e programados sobre o conteúdo apresentado nos 6 próximos dias do congresso.

Fabrício Cunha, da Igreja Batista de Água Branca, em São Paulo, liderou um dos grupos pequenos e ficou impressionado com a comunhão entre os participantes. “Tínhamos um pastor de mais de 60 anos, que demonstrou o desejo de aprender até o fim da vida. Isso nos ensinou muito. Este é um congresso que valoriza a dimensão pessoal”.

Expectativas
O delegação brasileira conta com cerca de 90 convidados. Ultimato ouviu alguns deles sobre as expectativas para o congresso. Para Robinson Cavalcanti, bispo anglicano, ainda há uma interrogação, mas ele acredita na providência divina para que esta seja uma grande oportunidade para a igreja evangélica. Marcelo Gualberto, da Mocidade para Cristo (MPC), espera que o congresso traga mais esperança. “Quero um renovo de Deus, mais esperança para terminar bem o meu ministério. Acho que comecei bem, porém o mais importante é terminar bem”, diz. Orivaldo Pimentel, pastor da Igreja Batista Viva, de Natal (RN) espera que o congresso resgate algumas questões levantadas por Lausanne 1 (como o papel da igreja como porta-voz da justiça e da paz e o diálogo com a cultura), e não fique com as indefinições do Lausanne 2. “Mas ainda está cedo para avaliar corretamente”, ressalta. Orivaldo criticou a falta de clareza nas falas dos organizadores, mas gostou da reflexão de que o Cristianismo “é a coisa mais global que existe na globalização. Não existe mais lógica pensar em termos de norte, sul, leste, oeste, mas sim da presença global”.

Novo documento
O Primeiro Congresso Lausanne, de 1974, gerou o "Pacto de Lausanne", amplamente reconhecido como o documento de maior importância na história recente da igreja. Neste congresso será gerado "O Compromisso da Cidade do Cabo - uma declaração de fé e um chamado à ação".

John Stott e Billy Graham enviaram suas saudações pessoais, comprometendo-se a orar diariamente. Ao refletir sobre as imensas mudanças que ocorrem no mundo, Billy Graham escreveu de sua casa na Carolina do Norte, EUA: “Uma das tarefas que terão durante o Cape Town 2010 será analisar essas mudanças e avaliar o impacto delas na missão para a qual Deus nos chama hoje”. John Stott manifestou sua satisfação pessoal com o fato do Congresso ser realizado na África: “Minha oração é que vocês partilhem ricamente a bênção que Deus tem derramado sobre a Igreja neste continente assim como a dor e o sofrimento do seu povo ali”.

Para assistir ao vivo a programação do Congresso clique aqui

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Comentário do texto de Leonardo Boff publicado neste blog

Se você ainda não leu o texto na íntegra click no link abaixo

Onde está a verdadeira crise da igreja

Leonardo Boff tem a coragem de dizer aquilo que todo mundo já sabe, mas ninguém ousa falar: o papado é uma instituição humana -- tem mais a ver com César do que com Jesus de Nazaré. Quando um poder institucional se torna infalível, absoluto e sagrado, passa a se considerar acima da lei e viabiliza toda sorte de abuso espiritual, emocional, sexual e financeiro. Mas não sejamos tão rápidos em nossas críticas: entre nós, evangélicos, existem muitos pequenos papas e Vaticanos.


Osmar Ludovico da Silva, diretor de cursos de espiritualidade cristã e revisão de vida e autor de “Meditatio”

Como sempre, Boff escreve muito bem, tem grande facilidade de argumentação e um estilo cativante. Essencialmente, desde uma perspectiva protestante, ele está correto. Existe uma diferença entre a igreja instituição, a estrutura hierárquica, e a igreja como povo de Deus, o conjunto dos fiéis. No entanto, não ficam claras quais deveriam ser, na prática, essas mudanças que ele preconiza para a igreja institucional. Quanto à igreja-povo, também há uma certa indefinição, por causa do compromisso de Boff com a teologia da libertação. As ênfases mais recentes desse teólogo têm se tornado um tanto sincretistas, misturando a fé cristã com preocupações ecológicas e com a ideologia da Nova Era. Mesmo assim, as críticas que ele faz ao modelo monárquico e centralizador da Cúria Romana me parecem válidas.

Alderi Souza de Matos, historiador, autor de A Caminhada Cristã na História



O artigo é fundamentado primorosamente tanto na questão histórica quanto no posicionamento atual do Vaticano e no ministério do romano pontífice. Boff sabe das coisas e sabe muito bem. Caso fosse mais alinhado com as Escrituras, poderia ter sido um Lutero do século 21.

Luiz Fernando, pastor da Igreja Presbiteriana Central de Itapira e presidente do Presbitério de São João da Boa Vista, SP



As palavras de Boff confirmam aquilo que os Evangelhos e a história revelam: a presença da igreja não indica, sempre, a presença de Jesus.

Sérgio Andrade, deão da Catedral Anglicana da Santíssima Trindade e coordenador da ONG Diaconia, em Recife, PE

Minha impressão sobre o artigo: surpreendente! Extraordinário!

Key Yuasa, pastor da Igreja Evangélica Holiness, SP

O texto, embora dirigido à denominação secular conhecida como Igreja Católica Apostólica Romana, é um alerta em relação à organização institucional e estrutural da igreja cristã em todas as suas ramificações denominacionais. O autor não nega a necessidade organizacional da instituição. Porém, questiona a sua fundamentação histórica e teológica (nos moldes existentes), assim como a principal razão de existir da igreja -- sua relevância na vida das pessoas e para o reino de Deus, nesse modelo que enfrenta crises de toda ordem...
Esse questionamento de Boff, além de apropriado, é oportuno e deve ser a preocupação permanente das lideranças de todas as denominações cristãs. Pois todas elas correm os mesmos riscos de criar estruturas (de forma consciente ou não) para promover outros interesses, que não os do reino de Deus. Parabéns pela coragem, pela clareza e contextualidade.

Nilo Wachholz, pastor luterano (IELB), jornalista e editor do “Mensageiro Luterano”

A síntese boffeana, desde “Igreja: Carisma e Poder”, é perfeita. Penso, no entanto, que ela idiliza os fiéis. Quando vejo certas manifestações de fé na perspectiva católica, tanto em Roma quanto nas comunidades locais por aqui, eu me pergunto: o que foi feito do cristianismo?
Porém, sinto o mesmo em relação aos estelionatários da cura, com suas 24 horas de exposição mediática para trocar salvação por dinheiro. Precisamos de mais coragem para denunciar os falsários ditos evangélicos. Boff faz a denúncia lá. Devemos fazer também o nosso dever de casa cá. Fui uma vez a um desses cultos pseudopentecostais. Em nenhum momento se falou de Jesus, mas apenas se pediu às pessoas que gritassem para si mesmas: “Eu vou conseguir!”. Voltei horrorizado, mas fui aconselhado a, por razões éticas, nada comentar. Lamento por mim mesmo ter feito isso. Preciso parar de conter a minha indignação.
Mais: preciso olhar para a minha denominação e para a minha congregação e me perguntar honestamente se são realmente cristãs. Eu mesmo preciso me perguntar se, como homem e pastor, sou mesmo cristão. Será que Jesus me vê como servo bom e fiel? Não posso olhar para as mazelas dos outros e lamber os beiços de felicidade, como se eu fosse realmente diferente.

Israel Belo de Azevedo, pastor da Igreja Batista Itacuruçá, no Rio de Janeiro

Esquecendo alguns exageros de Boff (principalmente dos que pretendiam interpretá-lo e usá-lo) no que concerne à Teologia da Libertação, dou graças a Deus pelo testemunho que moveu Boff a dar em seu artigo intitulado “Onde está a verdadeira crise da igreja”. Em meu entendimento, ele assimilou, consciente ou subsconscientemente, o que os pregadores calvinistas fiéis, de maior projeção, têm propugnado. Ocasionalmente Deus levanta nas fileiras da Igreja Romana vultos assim. Louvado seja Deus!

Odayr Olivetti, responsável pela seção “Consultório bíblico”, do jornal “Brasil Presbiteriano”

A ideia de uma igreja mais simples, mais fraterna, mais ministerial, com o rosto mais humano, está intimamente ligada ao propósito inicial de Jesus. Os acertos, dentre outros, destacados por Leonardo Boff, merecem nossa consideração, se levarmos em conta a situação do cristianismo em nosso continente, enfraquecido pela presença dos novos “césares” (apóstolos, bispos, sacerdotes, pastores e líderes mercantilistas) que desfiguram a igreja do Senhor pelo barateamento que patrocinam do conteúdo do evangelho e pela ânsia do poder-privilégio. De fato, a maior crise da igreja-instituicão está relacionada à ausência de incidência profética e relevância para o atual momento histórico.

Marco Antonio de Oliveira, pastor da Catedral Metodista do Rio de Janeiro



Uma “instituição cristã” é uma contradição de termos; é como uma bola quadrada, uma paralela que se cruza. Instituição, por natureza, presume hierarquia, controle e conservação. Os cristãos institucionais, institucionalizados ou institucionalizantes -- sejam católicos, evangélicos etc. -- deveriam mudar de religião, pois a mensagem do reino é anárquica, na plena concepção do termo de negação do poder. Institucional, inclusive.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Não quero ser misericordioso só comigo!

A partir de hoje, com a ajuda de Deus, vou ser tão misericordioso com os outros como tenho sido comigo mesmo. Todos temos a mesma natureza pecaminosa. Todos carregamos a mesma bagagem pecaminosa. Deixarei de condenar os outros e perdoar a mim mesmo. Porei um fim nessa tendência de buscar atenuantes para o meu pecado e agravantes para o pecado alheio. Farei isso não para diminuir o peso do meu pecado ou o peso do pecado do outro. Colocarei o dedo em riste para ele e para mim. Enaltecerei a graça de Deus para mim e para ele. Afinal, os dois salmos exatamente iguais (Salmos 14 e 53) dizem: “Todos se extraviaram e juntamente se corromperam”.
Devo essa mudança não só à Palavra e não só ao Espírito. Tenho lido alguns depoimentos que me abriram os olhos. Sêneca, contemporâneo de Jesus e conselheiro de Nero, dizia que todos somos perversos: “O que um reprova no outro, ele o achará em seu próprio peito, [pois] vivemos entre perversos, sendo nós mesmos perversos”. O moralista inglês Samuel Johnson, autor de “A Vaidade dos Desejos Humanos” (1749), explicou que “cada qual sabe de si mesmo o que ele não ousa contar ao seu mais íntimo amigo”.
Uma das declarações mais enfáticas sobre o assunto é da lavra do escritor americano William Saroyan: “O homem mau deve ser perdoado todos os dias. Deve ser amado porque alguma coisa de cada um de nós está no pior homem do mundo e alguma coisa dele está em cada um de nós. Ele e nós somos ele. Nenhum de nós é separado de qualquer outro. A prece do camponês é minha prece; o crime do assassino é o meu crime”.
O médico francês Maurice Fleury confessa: “Depois de percorrer todos os escaninhos da alma humana, cheguei a uma conclusão: tenhamos piedade uns dos outros”. Já o escritor sérvio Vidosav Stevanovic faz bem em lembrar que “o mal, como o bem, faz parte da condição humana. [Portanto], antes de combater o mal nos demais, cada um deve combatê-lo no interior de si mesmo”.
O esforço que estou resolvido a fazer de hoje em diante é uma consequência natural daquele conselho de Jesus de remover primeiro a viga que está em meu próprio olho para, depois, remover o pequeno cisco que está no olho dos outros (Mt 7.1-5). Já que preciso de mais misericórdia do que quem tem o cisco, por que perder a paciência com o próximo? Por que cobrar mais dele do que de mim? Por que não perdoar, se eu fui perdoado? Que o Senhor me ajude!

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Onde está a verdadeira crise da igreja

A crise da pedofilia na igreja romano-católica não é nada em comparação à verdadeira crise -- essa sim, estrutural -- que concerne à sua institucionalidade histórico-social. Não me refiro à igreja como comunidade de fiéis. Esta continua viva apesar da crise, se organizando de forma comunitária e não piramidal como a Igreja da Tradição. A questão é: que tipo de instituição representa essa comunidade de fé? Como se organiza?
Atualmente, ela comparece como defasada da cultura contemporânea e em forte contradição com o sonho de Jesus, percebida pelas comunidades que se acostumaram a ler os Evangelhos em grupos e então fazer suas análises.
Dito de forma breve, mas não caricata: a instituição-igreja se sustenta sobre duas formas de poder: um secular, organizativo, jurídico e hierárquico, herdado do Império Romano, e outro espiritual, assentado sobre a teologia política de Santo Agostinho acerca da Cidade de Deus, que ele identifica com a instituição-igreja. Em sua montagem concreta, não é tanto o evangelho ou a fé cristã que contam, mas esses poderes, considerados como um único “poder sagrado” (“potestas sacra”) também na forma de sua plenitude (“plenitudo potestatis”) no estilo imperial romano da monarquia absolutista. César detinha todo o poder: político, militar, jurídico e religioso. O Papa, semelhantemente, detém igual poder: “ordinário, supremo, pleno, imediato e universal” (Cânon 331), atributos só cabíveis a Deus. Institucionalmente, o Papa é um César batizado.
Esse poder que estrutura a instituição-igreja foi se constituindo a partir do ano 325 com o Imperador Constantino e oficialmente instaurado em 392, quando Teodósio, o Grande (+395), impôs o cristianismo como a única religião de Estado. A instituição-igreja assumiu esse poder com todos os títulos, honrarias e hábitos palacianos que perduram até os dias de hoje no estilo de vida dos bispos, cardeais e papas.
Esse poder ganhou, com o tempo, formas cada vez mais totalitárias e até tirânicas, especialmente a partir do Papa Gregório VII, que em 1075 se autoproclamou senhor absoluto da igreja e do mundo. Radicalizando, Inocêncio III (+1216) se apresentou não apenas como sucessor de Pedro, mas também como representante de Cristo. Seu sucessor, Inocêncio IV (+1254), deu o último passo e se anunciou como representante de Deus e por isso senhor universal da Terra que podia distribuir porções dela a quem quisesse, como depois foi feito aos reis de Espanha e Portugal no século 16. Só faltava proclamar o Papa infalível, o que ocorreu sob Pio IX em 1870. O círculo se fechou.
Ora, este tipo de instituição encontra-se hoje num profundo processo de erosão. Depois de mais de 40 anos de continuado estudo e meditação sobre a igreja (meu campo de especialização), suspeito que chegue o momento crucial para ela: ou corajosamente muda e assim encontra seu lugar no mundo moderno e metaboliza o processo acelerado de globalização e aí terá muito a dizer, ou se condena a ser uma seita ocidental, cada vez mais irrelevante e esvaziada de fiéis. O projeto atual de Bento XVI de reconquista da visibilidade da Igreja contra o mundo secular é fadado ao fracasso se não proceder a uma mudança institucional. As pessoas de hoje não aceitam mais uma igreja autoritária e triste, como se fosse ao próprio enterro. Mas estão abertas à saga de Jesus, ao seu sonho e aos valores evangélicos.
Esse crescendo na vontade de poder, imaginado ilusoriamente vindo diretamente de Cristo, impede qualquer reforma da instituição-igreja, pois tudo nela seria divino e intocável. Realiza-se plenamente a lógica do poder, descrita por Hobbes em seu “Leviatã”: “O poder quer sempre mais poder, porque não se pode garantir o poder senão buscando mais e mais poder”. Uma instituição-igreja que busca assim um poder absoluto fecha as portas ao amor e se distancia dos sem-poder, dos pobres. A instituição perde o rosto humano e se faz insensível aos problemas existenciais, como da família e da sexualidade.
O Concílio Vaticano II (1965) procurou curar esse desvio pelos conceitos de Povo de Deus, de comunhão e de governo colegial. Mas o intento foi abortado por João Paulo II e Bento XVI, que voltaram a insistir no centralismo romano, agravando a crise.
O que um dia foi construído pode ser num outro, desconstruído. A fé cristã possui força intrínseca de, nesta fase planetária, encontrar uma forma institucional mais adequada ao sonho de seu fundador e mais consentânea ao nosso tempo.

Leonardo Boff

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Crescimento e oposição

Alguns deles, todavia, cipriotas e cireneus foram a Antioquia e começaram a falar também aos gregos, contando-lhes as boas novas a respeito do Senhor Jesus. Atos 11.20
Lucas relata que alguns evangelistas foram para o norte, em direção à costa, chegando até a Fenícia, Chipre e Antioquia, anunciando a mensagem “apenas aos judeus” (v. 19).
Mas alguns que foram para Antioquia “começaram a falar também aos gregos” (v. 20).
Não sabemos se eram gregos pagãos, gregos de fala hebraica ou uma mistura de raças. Antioquia era com certeza um lugar bastante apropriado para a primeira igreja internacional e um trampolim para o avanço missionário em escala mundial, pois era uma cidade grande e cosmopolita.
As notícias desse crescimento chegaram aos ouvidos dos líderes da igreja em Jerusalém.
Assim como eles haviam enviado Pedro e João para investigar o que estava acontecendo entre os samaritanos, enviaram Barnabé a Antioquia. Ali chegando, e vendo a graça de Deus nas vidas transformadas, ele ficou alegre e os animou a permanecerem fiéis ao Senhor. Em seguida ele foi a Tarso e trouxe Saulo para Antioquia, para ensinar ao grande número de convertidos.
Porém, esse significativo crescimento da igreja provocou a oposição do rei Herodes Agripa I, filho de Herodes, o Grande. Ele mandou decapitar o apóstolo Tiago e colocou na prisão o apóstolo Pedro. A situação era crítica, mas os membros da igreja se dedicaram à oração, e Pedro foi milagrosamente libertado. Na manhã seguinte, no exato momento em que Pedro seria julgado e, provavelmente, executado, ele não foi localizado. O plano de Herodes havia falhado.
Lucas continua sua narrativa até a derrota final de Herodes. Os habitantes de Tiro e Sidom tiveram um desentendimento com o rei e procuravam ter uma audiência com ele para pedir paz. No dia marcado, o rei censurou a multidão, que bradava: “É voz de deus, e não de homem” (12.22). Visto que Herodes não glorificou a Deus, ele foi ferido e morreu.
Lucas termina citando uma de suas frases preferidas: “Entretanto, a palavra de Deus continuava a crescer e a espalhar-se” (v. 24). O talento literário de Lucas é evidente. O capítulo começa com Tiago morto, Pedro na prisão, e Herodes triunfando; e termina com Herodes morto, Pedro livre e a Palavra de Deus triunfando. Só o poder de Deus pode destruir os planos hostis dos homens e substituí-los pelos seus próprios planos.

Leitura recomendada: Atos 12.1-5

Retirada de A Bíblia Toda, o Ano Todo (Editora Ultimato, 2007).

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Necessidades básicas

Não se preocupem com sua própria vida, quanto ao que comer ou beber; nem com seu próprio corpo, quanto ao que vestir. Mateus 6.25
A adoção aparece no Sermão do Monte como a base da vida de fé, isto é, a vida de confiança em Deus para a provisão das necessidades materiais de todo aquele que busca o reino de Deus e sua justiça.
Creio ser desnecessário observar que uma pessoa pode viver uma vida de fé sem ter de renunciar a um bom emprego, embora alguns sejam chamados a fazer isto. No entanto, todos os cristãos são chamados a uma vida de fé, no sentido de seguir a vontade de Deus a qualquer custo, confiando-lhe todas as conseqüências.
E mais cedo ou mais tarde, todos são tentados a colocar seu status e segurança, em termos humanos, acima da lealdade ao chamado de Deus. Então, se resistirem a essa tentação, serão imediatamente tentados a se preocupar com as prováveis conseqüências de sua decisão, principalmente quando seguir a Jesus os obrigar a perder parte da segurança ou prosperidade que, de outro modo, poderiam desfrutar.
Aos que são tentados dessa forma em sua vida de fé, Jesus oferece a verdade da adoção de modo que possam suportar a tentação.

Para refletir: Como a certeza da adoção na família de Deus pode ajudá-lo a lidar com as tentações descritas acima?

Retirada de O Conhecimento de Deus ao Longo do Ano (Editora Ultimato, 2008).